OBRIGADO POR SUA HISTÓRIA

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Entrevista exclusiva com Mano Melo.

Mano Melo, nome de peso da poesia brasileira, um dos maiores declamadores do Brasil. Desde que cheguei ao Rio de Janeiro, em 1993, tenho acompanhado a carreira deste incansável artista. De ator a poeta, de escritor a cronista e filósofo. Mano, na verdade é uma usina de arte ambulante E matriz de de um estilo único  de falar poemas. Sua oralidade reconhecida faz com que ele sempre se apresente no Simpósio Internacional de Contadores de Histórias. Cada poema seu tem uma tirada que sempre rende uma bela história, então, vamos conhecer este cearense que vive no no Rio de Janeiro.
Mano Melo, um dos maiores declamadores brasieleiros
de todos os tempos.
Jiddu Saldanha – Quando a poesia começa a invadir a vida de um poeta como você, onde ela te encontrou? Em que idade, em que lugar do planeta?

Mano Melo - Foi no Ceará, ainda no curso primário, quando ouvia um menino mais velho dizendo poemas numa hora de arte que tinha uma vez por mês na escola. Ele interpretava lindamente um poema chamado A Morte do Cão: “eu tinha um cão, chamava-se Veludo. Esquálido, pulguento, imundo/ o mais feio cão que havia no mundo...” Então o homem da história levava o cão num barco e jogava no meio do mar. Na volta, percebe que perdeu um medalhão que sua mãe lhe dera antes de morrer, única recordação de sua querida mãezinha.Debulhou-se em lágrimas, quando ouviu uma respiração perto dele. Era o Veludo. Na boca, ele trazia o medalhão perdido. O cão cai aos seus pés. Ele chama: Veludo! Veludo!  Veludo estava morto. Meu colega interpretava isto muito bem, eu ia às lágrimas ao ouvi-lo. Não sei de quem é o poema, tenho que procurar na Internet. Uma vez o Affonso Romano me soprou, mas esqueci. Foi a primeira vez que tive contacto com a poesia. Tinha uma prima também que dizia um poema assim: “A morte: da morte ninguém escapa/ nem o cura/ nem o Rei/ nem o Papa/ Ah! Já sei/ quando Dona Morte vier/ Eu compro uma panela bem grande/ Me escondo dentro dela/ E quando Dona Morte chegar, lhe digo: aqui não tem ninguém/ Vossa Excelência passe bem.“ Mais ou menos assim.Também não sei de quem é, mas adorava ouvi-la dizer. Depois teve um tio que deu uma pirada, e os livros dele vieram pra minha casa. Abriu-se um mundo mágico pra mim, antes só lia histórias em quadrinhos. Haviam  muitos livros de literatura nas estantes de meu tio Pereira, Zé Lins, Jorge Amado, Graciliano, estas coisas. E também livros de poesia. Como não era bom de futebol nem de briga, passei a escrevinhar uns poemas pra dizer ao mundo que existia.
Dai nunca mais parei!

Mano Melo e Claufe Rodrigues - Velhos amigos.
JS – E daí você entrou numas de ler, quem veio primeiro, os clássicos? Os poetas da vizinhança, qual é o mapa de leitura de Mano Melo?

MM - Histórias em quadrinhos, principalmente de caubóis, depois Edições Maravilhosas, que quadrinizava grandes clássicos.Fiquei impressionado  com adaptações do Ulisses e da Odisséia. E também com a dos Os Miseráveis, de Victor Hugo. Meu herói passou a ser o Gravoche, o menino que participava da Revolução Francesa. Neste período, também li muito fotonovelas, Capricho, Sétimo Céu, essas coisas, que minha madrinha tinha coleções e coleções. Teve esse lance das estantes do meu tio, no qual descobri a verdadeira literatura. Quando vim ao Rio, com 16 anos, conheci meu tio João, marido de minha  tia Gerarda, que era médico e uma pessoa de vasta cultura. Quando ele morreu, fui morar na casa de minha tia e lá haviam muitos, mas muitos livros, estantes até o teto. E justamente o quarto da biblioteca é que ficou sendo meu quarto. Tinha Goethe, Sófocles,  Aristófanes, muitos clássicos. Mas quando descobri as obras completas do Fernando Pessoa, pirei. A identificação foi tão grande, que quando o poeta ficou muito popular, eu tinha ciúmes, achava que só eu o entendia, como se estivessem devassando minha alma.  Sabia de cor Tabacaria , O Guardador de Rebanhos, Poema em Linha Reta e muitos outros.  E se já tinha mania de escrevinhar desde pequeno, essa descoberta foi um salto adiante,  jurei transformar-me numa máquina de escrever. Era o início de me assumir como verdadeiramente um poeta.

JS – No Rio de Janeiro, a Boemia, a mulherada... os recitais, o cinema, como foi esse momento?

MM - Quando terminei o curso secundário, fiz vestibular para o Conservatório Nacional de Teatro, hoje Unirio, que ficava no prédio da UNE incendiado no golpe de 64. Ficava ali na Praia do Flamengo. E também para o IFCS, estudando Filosofia. Fiz as duas faculdades simultaneamente. Aos 18, minha família conseguiu para mim um emprego de caixa de banco, quase fiquei maluco. Passei a escrever uns poemas tenebrosos, ainda hoje me lembro de um: “Aqui jaz um corpo inútil/ que viveu uma vida fútil/ e que agora não é mais nada/ a não ser decrépita ossada“.  Tinha isso pendurado na minha caixa no banco, a clientela não entendia nada, a gerência menos ainda. Então me convidaram para protagonizar o curta metragem, Atitude Nova Vida, direção do Pedro Jorge Cunha. Ou fazia o filme ou continuava no banco. Então pedi demissão. Ou melhor, fiz com que me demitissem, pra não perder a indenização. Que alivio! Se não tivesse tomado essa decisão, talvez não estivesse aqui contando essa história, Jiddu. Recebi a indenização, torrei tudo. Freqüentava muito o Zicartola, Estudantina, rodas de samba, essas coisas. Me apaixonei perdidamente por uma dançarina do Cabaré Brasil Dourado, da Lapa. Ela se chamava Gina Rossi, linda, muito linda, uma deusa, Afrodite feita humana.  Ela me achava um garoto, e com razão. Tomava porres homéricos, sentado no meio fio, chorando rodriguianamente lagrimas de esguicho, suspirando por ela. Ela me ensinou muito de erotismo, eu era um bobo que não sabia de nada, ela foi a transição para minha vida adulta. Ela adorava teatro de revistas e fiz um aprendizado profundo dos atores populares em companhia dela, assistindo Costinha, Colé, todas aquelas feras. Sem contar aquelas vedetes de pernas maravilhosas. Ao mesmo tempo, acontecia a Nouvelle Vague, o cinema novo, o Cine Paissandu, os grandes e marcantes espetáculos de teatro, Rei da Vela, Opinião, Liberdade Liberdade, Morte e Vida Severina. A morte de Edson Luiz, a passeata dos 100 mil, 1968, as escaramuças contra as forças da repressão. 

João do Corujão e Mano Melo, conspiração e piração
na certa!
JS – E daí veio o pé na estrada, anos 70, a caminho da Índia, ou foi Europa primeiro?

MM - Peguei um avião Rio de Janeiro – Bombay. Como tinha umas amigas em Paris, Marli e lamara; fiz escala lá, fiquei quinze dias. Elas estavam indo pra Grécia e me convidaram pra ir junto, num roteiro que incluía Suíça e Itália, Firenze.   Fiquei  uns quinze dias em Atenas.  De lá, as meninas ficaram e tomei o avião pra índia.

JS – E os amigos, a saudade? Qual era o contexto, o mundo hippie? A busca espiritual? A desilusão com a ditadura?

MM - A saudade era enorme, mas não dava pra ficar pensando. E também estava ávido de viver coisas novas, descobrir o inédito, o inaudito. Não sei se podemos chamar mundo hippie, talvez, porque detesto rótulos. Era o que era, sem rotulações. Haviam muitas pessoas na estrada, homens e mulheres, uma tribo nômade numerosa, e a Meca era Goa, na Índia, era lá que as coisas estavam acontecendo. E era pra lá que eu queria ir. O Brasil em plena ditadura, a busca era ver o que se escondia por detrás da palavra Liberdade, viver sem laços ou liames, apenas a estrada, a luta quotidiana por sobrevivência. Aprendizagem. Desenvolver seu ser individual, as potencialidades, sem amarras, o mais próximo possível da Liberdade absoluta, sem pátrias, sem família, sem profissão, sem amores fixos, apenas a estrada e a alma aberta para viver o que fosse acontecendo.

Em Cena, Mano Melo é imbatível na arte de falar poemas,
ele tira de letra e arrebata o público!
JS – E a música, as bandas na Holanda, os coffe shop, como foi isso?

MM - Estava no Afeganistão nas vésperas da invasão russa, fui me refugiar na Holanda, porque encontrei muitos holandeses na estrada e eram pessoas da melhor qualidade. Cheguei  em Amsterdam  no auge do inverno, dezembro, sem tostão.  Arranjei trabalho numa tea house  dessas bem freaks. Lá pra fevereiro os donos, Ucci e Charles, estavam de saco cheio e me propuseram, a mim e à grega Kathy, que hoje é uma poeta reconhecida em seu país, tomarmos conta do lugar, sobre a promessa de devolver a casa na primavera, que era quando começava a entrar dinheiro. A gente trabalhava ali, eu, Kathy, o Witzel pai do Ucci e uma garota australiana, a Lidia. Não havia capital, a gente vendia sanduíches, chá e café, o que a gente apurava, gastávamos no supermercado pra renovar o estoque, pelo menos tínhamos o que comer. Na primavera, quando a casa começou a lotar, Charles e Ucci propuseram que continuássemos a administrar a casa. Eles apenas se reservavam o direito de não trabalhar, entrando na partilha dos lucros. Então a casa começou a encher, virou moda, ficava no centro de Amsterdam, no coração do turismo, entre  a Centraal Station e a Praça do Dam. Então começou a entrar muita grana. Trabalhávamos  das 3 ás 3, nem dava tempo de gastar. Aluguei uma casa barco (houseboat). Por ideia minha, fizemos do lugar um ponto de cultura, passando filmes do Glauber, passando filmes africanos, apresentando bandas alternativas da cidade.  O lugar ficou um ouriço, muita gente, muito agito. E entrava também muito dinheiro, guldens holandesas, marcos alemães, coroas suecas, francos franceses e suíços, dólares. Mas lá para a metade do verão já estava de saco cheio, contei o dinheiro, passei minha parte  adiante e fui em busca de um lugar ensolarado na beira do mar. Portugal estava em plena euforia pós revolução dos cravos e então fui pra lá. Quando fiquei duro de novo, voltei pra Holanda.

Com Affonso Romano de Sant'Ana, Dalberto Gomes e
Carla Gomes. Gerações da poesia com Mano Melo.
JS – A tua poesia foi ficando filosófica? Ou os temas eram livres mesmo!

MM - Sempre tinha cadernos em que escrevia, quando o caderno acabava, copiava as partes mais substanciais, burilava e ia acumulando, o que deu num livro que batizei de O Cangaceiro  Elétrico, que depois fiz uma edição em Portugal, em minha segunda estadia no pais.
JS -  Quando exatamente nasceu o clássico Sexo em Moscou?

MM - Um dia, já de volta ao Brasil, com insônia, comecei a pensar nos meus tempos de ativista político na Universidade. Me veio o nome Lenine, que motivou o primeiro verso: “ me Lenine toda, meu bem, me Lenine toda, todinha!”   Aí comecei a rir sozinho, fui me lembrando dos ícones do comunismo e construindo versos para fazer rir. Me diverti muito. O dia seguinte havia o lançamento de uma revista capixaba num bar em Ipanema. Levei o poema pra lá, ainda manuscrito, nem sonhava com computador. Aí me chamaram ao palco e disse que havia acabado de escrever um poema que não tinha nome ainda, não sabia se o nome seria Amor em Moscou ou Sexo em Moscou. O Cazuza, que estava na platéia, gritou: Sexo em Moscou! Aí o nome ficou sendo este, quem batizou foi o Cazuza. Comecei a dizer o poema e me surpreendi com a reação da platéia, todo mundo ria, ria muito, e fiquei empolgado, não sabia que o poema teria tanto impacto. Hoje me orgulho quando chego em alguma cidade pelo Brasil, Rio Grande do Sul, interior de Minas, Bahia, em muitos lugares, sempre encontro algum poeta que interpreta de cór este poema, o que sempre me emociona. Nesta noite em Ipanema aconteceram duas coisas importantes na minha vida, a estréia de Sexo em Moscou, e haver conhecido a Elisa Lucinda recém chegada de Vitória e que até hoje é uma grande amiga, uma pessoa que amo muito.

JS – E o cinema? Roteiro, atuação uma paixão por Macunaíma e tal... fale disso.

MM - Não quero falar desse filme do Macunaima, deu muita confusão, nunca recebi a grana pelo meu trabalho,só ínfima parte do combinado, ou seja, levei um beiço. Não guardo mágoas, mas não quero falar sobre o filme. Mas quero deixar claro que não era o Macunaíma do Joaquim Pedro, pras pessoas não confundirem. Fiz alguns filmes e novelas, sim, de vez em quando faço. , mas prefiro falar sobre o livro que lancei agora,

Com Carla Marins, Gabriel o Pensador e Claufe Rodrigues, em
Brasília, nosso poeta mais perto do poder...
JS – E Seu novo livro, fale dele.
MM - Em maio deste ano (2011) no Ceará e dia 17 de junho aqui no Rio, lancei meu livro Poemas do Amor Eterno. É um inventário de afetos, fala de amor de uma forma escancarada, sem falsos pudores, sem medo de ir até as raízes, mas sem pieguices, com classe, modéstia à parte. Recebi patrocínio de um banco do Ceará, a  Oboé Financeira, leia-se Newton Freitas, sem dúvida o grande incentivador  das artes no Ceará, me arrisco a dizer até mesmo que um dos maiores incentivadores das artes no Brasil. Sou suspeito pra falar, mas digo que o  livro está lindo, deixei apenas numa livraria, a Argumento Leblon, de minha amiga Laurinha Gasparian. Este livro é minha libertação do julgo e exploração das editoras e também das livrarias, que cobram quarenta por cento. Estou vendendo no corpo a corpo, fazendo shows, e pela internet. Quem quiser, contate manomelo45@gmail.com, que faço chegar até ao leitor, cobrando extra apenas as despesas postais. E também quem estiver a fim, estou com um show pronto, Mano a Mano com Mano Melo, É uma stand up poetry, assim como os cômicos estão ativos na stand up comedy. Um microfone com pedestal e pronto, sem nenhum aparato cênico, só a verdade do poeta e sua empatia com o público. Estou aberto a qualquer público,  em qualquer cidade do Brasil ou do mundo.

JS –  Hoje tem os livros, os recitais e as viagens né? Você tem alguma queixa a fazer? Acha que encontrou o valor que merece?

MM - Não tenho nada pra me queixar. É difícil ser um profissional da poesia, porque não é uma profissão reconhecida. Eu e alguns gatos pingados somos os pioneiros. Que as próximas gerações aproveitem esta área desbravada, e quando isto acontecer, terá valido a pena, pois “tudo vale a pena se a alma é CINEMA”.

LIVROS, ETC...
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